sexta-feira, 6 de novembro de 2009

personagem sem nome

Eu ainda posso me lembrar do meu primeiro nome, mas nada me faz querer reviver tudo antes da divisão. Como um relâmpago que reparte o céu escuro, separando o leste do oeste, e o som que assusta como se tivesse tirado uma lasca da terra, naquela noite fria e chuvosa véspera de natal, minha esposa e eu preparava-nos para receber meu irmão, que cearia conosco. Nossos pais já haviam falecido, meu pai por acidente de trabalho, antes que eu completasse dois anos de idade, minha querida mãe foi por complicação de saúde, difícil de entender, ela gozava o bom dos seus 56 anos, me lembro que ela fazia questão de sempre ter os parentes mais próximos na ceia de natal e datas comemorativas, eu não entendia o porquê de tanta dedicação. A perda de meus pais fez com que eu me tornasse mais religioso, minha esposa me seguia nas missas e demonstrava grande fé.
A ceia de natal era uma forma silenciosa que meu irmão e eu encontrávamos de rever nossos pais pela semelhança física, agora eu via sentido em ter meus parentes mais próximos ao redor da mesa, acho que de maneira inconsciente meu irmão sabia disso e aproveitava para matar as saudades daqueles que nos colocaram no mundo, isso era um consolo para nós. Meu irmão sempre muito dedicado fazia a oração da ceia que sempre me comovia; suas palavras de agradecimento em tom de ternura por tudo que recebíamos, mais por mérito que por dádiva, mas isso não nos incomodava. A noite de natal sempre foi muito feliz, com meu irmão éramos imbatíveis nos jogos de carta, conversávamos pelos olhares, ninguém nos ganhava, o confronto de forças realçava quando jogávamos xadrez, tínhamos a mesma criação e nos entendíamos muitíssimo bem, mas nos encontrávamos pouco, o trabalho nos consumia muito tempo, e o nosso momento era ao redor da mesa relembrado tudo que havíamos vivido antes de nos encontrar. Tudo era como sempre, até que a campanhinha tocou e eu atendi um menino estranho de cabelos brancos, me entregou uma carta e saiu sem qualquer proteção contra a chuva naquela noite. Fui até ao escritório e abri a carta sem que minha esposa visse, a carta dizia, amanhã às 23:59 você morrerá, despeça de sua família, assinado: Deus. Não pude acreditar que estava recebendo uma mensagem de Deus, fiquei muito feliz e emocionado, enquanto minhas lagrimas escorriam, minha esposa gritava da cozinha – meu bem desça, seu irmão já deve estar chegando. Aquela frase me deixou um pouco transtornado, Ele me dizia que não poderia mais encontrar minha esposa e irmão.
A situação era, deixar de viver, largar tudo que mais gostava recebendo o beijo da morte ou lutando contra a vontade celestial, não havia tempo pra pensar, desci e fui ajudar minha esposa a colocar os pratos na mesa. A cisma que pairava sobre meus pensamentos quando a campainha tocou, meu irmão sempre com aquele sorriso que mostra o quanto a vida é boa me fez esquecer por instantes a carta. A noite estava maravilhosa, meu irmão sempre muito espirituoso, fazia qualquer um rir de suas histórias como jornalista, minha esposa tinha cozinhado como nunca e seus olhos brilhavam de tanta felicidade pela nossa amizade. Coisa que ela não conseguiu cultivar com seus dois irmãos. A magia do momento me fez esquecer a estranha carta, o tormento voltou no outro dia enquanto dirigia o carro para levar meu irmão ao aeroporto, subitamente a carta me veio a cabeça e comecei a anunciar o que tinha acontecido comigo na noite de natal: ontem a noite abri a porta e tinha um menino estranho que me entregou uma carta que dizia, despeça de seus parentes, você morrerá amanhã às 23:59, assinado Deus.
- não sei o que fazer.
- que brother não se preocupa é coisa da sua imaginação
- imaginação? Você está maluco? Eu recebi a carta e ela dizia exatamente isso, e a única maneira de eu continuar vivendo é me afastando Dele.
Minha esposa não conseguiu ficar calada, a sua voz sempre tão serena estava áspera dessa vez – você é um maluco em dizer isso. Nós vamos procurar um padre e ele vai conversar com e você e vai dizer que isso é coisa da sua imaginação, e te abençoará.
Eles não entendia meu sofrimento, larguei o carro no meio da rua atrapalhando o transito e saí enfurecido. Minha esposa e meu irmão gritavam alguma coisa, não entendi bem. A partir daquele dia não os vi mais.
Renuncie a tudo para que eu pudesse continuar vivo, mas não sou mais o mesmo, agora tenho poder, armas de fogo, pessoas fazem o que eu mando por me temerem, levo o desespero para toda parte que eu vou, e aquele ser insignificante que só se preocupava em viver sua vidazinha medíocre não existe mais. O raio que reparte o céu escuro caiu na minha vida me separou das únicas pessoas que se preocupavam comigo, agora, meus maiores inimigos são meu irmão e esposa. Não gostaria de aniquila-los, mas eles sempre estão a me enfrentar, nunca atirei para matar eles, mas já não aguentava mais vê-los atrapalhando meu caminho sempre falando de amizade e amor fraternal, eu não poderia mais voltar atrás na minha decisão eu seria morto por um ser mais forte que eu, era a luta para sobrevivência.
Em um de nosso confrontos mais terríveis a luta tomou rumo que eu não esperava. Eu usei todos os meus recursos, minha esposa não resistiu aos ferimentos da arma, meu irmão foi valente, lutou até o fim de suas forças. Continuo vivo e ainda posso lembrar do meu primeiro nome, mas prefiro deixar ele escondido na minha mente.

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